Cuba. Só essa combinação de um nome e um ponto final seria suficiente para encher de significados as fotos desta página, ainda que mais nada houvesse escrito nas próximas linhas e parágrafos. Cuba atrai interesses desde meados do século 20 como nenhum outro país e desperta pelo caminho reações fervorosas de amor e ódio. A respeito da ilha todos têm suas crenças, independentemente de já terem ou não pisado em seu território.
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Havana, Cuba. Foto Mônica Nóbrega/AE
Matéria-prima para tanto não falta. Estamos em pleno ano do cinquentenário da revolução que levou Fidel Castro ao poder. Só no último mês, fuga de boxeadores, anúncio do fechamento da prisão de Guantánamo e troca de dez ministros foram temas explosivos que frequentaram o noticiário, ainda mais atento desde que o comandante passou o poder a seu irmão Raúl. Cuba está em transformação. Na medida para viajantes curiosos.
Se você quiser, a ilha pode ser apenas mais um destino caribenho, com resorts e praias na badalada Varadero – na verdade, o Caribe tem pontos com águas até mais azuis. Essa é uma forma de relaxar sem pensar em nada, mas também de passar batido pelo que Cuba tem de singular. Toda a herança comunista e o modo muito próprio de viver dos seus habitantes ficam mais evidentes quanto mais longe se está de Havana e seus bairros históricos.
De todo modo, a viagem começa na capital. Turistas, cerca de 2 milhões por ano, chegam pelo Aeroporto José Martí e devem levar idêntico susto diante do cenário inacreditavelmente arruinado que se revela conforme o táxi avança. Sem manutenção desde que os revolucionários tomaram o governo, faz pouco tempo que a cidade começou a colocar em prática um tímido plano de restauro.
As primeiras reformas miraram o bairro de Havana Velha e o Malecón, o calçadão à beira-mar. Seis dias são um bom intervalo para ver as principais atrações de Havana e ter tempo de flanar pelas ruas sem direção definida, ao sabor das descobertas, entre mojitos, charutos e muita música. Depois dessa primeira imersão, meu roteiro seguiu por outras três cidades, de oeste a leste do país, escolhidas pela sua importância histórica e pelas possibilidades de contato com a cultura local.
A viagem pelo interior permite conhecer mais peculiaridades do país. Trinidad, Santiago de Cuba e Baracoa são diferentes entre si e da capital. Nelas há resquícios do passado colonial misturados às casas térreas de poucos cômodos, cobertas por lajes simples, típicas da arquitetura comunista.
Nessas cidades, palavras de ordem sobrevivem em muros gastos pelo tempo e seus moradores defendem com mais fervor o sistema político. Orgulham-se de suas escolas. Mas nem por isso deixam de lamentar sua condição de prisioneiros do próprio país (em Cuba, só se viaja ao exterior com uma autorização especial do governo e data para voltar). Lamentam também o apartheid social em que vivem em relação aos estrangeiros. Tudo em Cuba, lojas, restaurantes, transporte, tem duas versões: a que cobra em pesos conversíveis, moeda turística com valor variável entre o dólar e o euro, e a cotada em pesos cubanos.
Diante disso, minha opção por seguir de ônibus se mostrou inócua para atender ao objetivo de viajar na companhia de cubanos. As passagens nos veículos com ar-condicionado da Viazul têm preços proibitivos para os nativos. O trecho entre Havana e Trinidad, por exemplo, custa 27 pesos conversíveis, equivalentes a US$ 30, mais que os US$ 20 (R$ 46) mensais que correspondem ao salário médio de cada habitante. Os ônibus para moradores cobram em moeda local, vetada aos estrangeiros.
Certifique-se de ter um espírito mochileiro para optar pelos ônibus. Os deslocamentos são longos e é preciso levar lanche para compensar a alimentação precária nos trajetos. Em compensação, o público que viaja assim está interessado tanto no caminho quanto no destino. São estrangeiros tão dispostos quanto eu estava a conversar, a trocar impressões e sensações sobre Cuba. Porque, você verá, cada descoberta na ilha surpreende, abala certezas e revela novos aspectos de uma vida em tudo diferente da nossa. Nessa viagem, as conclusões são o que menos importa.